quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

177ª - O Leão e a Raposa - Poema 'A Casa'


Levius laedit, quicquid praevidimus ante
Homem prevenido vale por dois


Bom dia amigo leitor! A fábula de hoje, um tanto trágica por envolver criança como objeto de disputa entre feras, deve ser lida com a arte de transposição. Fica para cada um interpretar a mensagem.

Como prometido, na prosa de hoje, trouxemos a poesia original de J L Peixoto que serviu para minha transcrição de ontem. Uma pérola de poema. Curtição plena.

A Casa

eu conhecia a distância entre as paredes. caminhei muitas
vezes pelo corredor. a sala: o sofá grande, a janela fechada
para a rua, o quadro bonito e antigo: a sala: estas palavras e
este verso podiam ser o corredor se as palavras fossem
a tinta nas paredes: a cozinha: a mãe a contar-me
histórias, a mesa, a água que lavava os talheres, o lume do
fogão. a cozinha era onde estávamos felizes.
quero que a casa fique desenhada:
quarto, escada , despensa, sala,
casa de banho, corredor corredor,
cozinha cozinha, escritório.
depois, subia as escadas:
despensa, quarto, quarto,
despensa, corredor, casa de banho,
despensa, escadas, quarto.
depois, descia as escadas.
eu, na cozinha, chamava a minha mãe. a minha voz: mãe.
a minha mãe respondia-me: estou aqui. e estava num dos
quartos de cima. eu subia as escadas para a encontrar.
de manhã, eu acordava e descia as escadas.
sem que eu soubesse, os anos passavam na casa. sem que eu
soubesse, a minha mãe e o meu pai envelheciam. a casa era
toda de claridade e eu não sabia que iria envelhecer assim que
saísse de casa.
havia janelas e havia portas. eu subia para cima de cadeiras
para abrir as janelas. da janela do meu quarto, via o mundo.
sei hoje que poderia ter vivido sem mais mundo do que esse.
sei hoje que transformei o mundo todo nessa casa. chamo a minha
mãe. está num dos quartos de cima. está muito longe. chamo o meu
pai. está muito longe.

j l peixoto



177ª - O Leão. o Urso e a Raposa

Um Leão e um Urso agarraram uma Criança ao mesmo momento e lutaram ferozmente entre si por sua posse. Quando já tinham covardemente dilacerado um ao outro e cansados do longo combate, caíram exaustos com tanta fadiga. Uma Raposa que tinha ido até eles várias vezes, mantendo uma distância segura, viu ambos esticados no chão, com a Criança intacta no meio, correu entre eles, e agarrando-a, pulou fora tão rápido quanto podia. O Leão e o Urso a viram, mas não puderam se levantar, disseram: “Aflição a nossa, deveríamos ter lutado e decidido entre nós mesmos, sem servir uma Raposa!".

Moral:

"Às vezes acontece alguém ter todo o trabalho e outro, todo o ganho!".

2 comentários:

marta disse...

Sensacional!!!!!!!
Lendo essa poesia de JL Peixoto , me dá a impressão que ele se criou na mesma casa de nossa infância.
Obrigada , Vade Mecum , por ter me mostrado esse poeta contemporâneo tão rico e sensível.
Beijos a todos

vade mecum disse...

Olá dna. Marta. Estimo tua apreciação e agradeço a menção. Este poeta universaliza com palavras, o psiquê de todos nós. Show de bola!