terça-feira, 30 de novembro de 2010

Mestieri: sarto - 8


Garibaldi - 1917
Absorto enquanto tomava as medidas para a confecção de mais uma ‘fatiota’ para o Sr. Clodoveu, Gennaro estava com a mente longe. Via-se ainda moleque.
Garibaldi - 1900
Trabalhava muito na colônia para ajudar o pai. Acordava às cinco horas da manhã, inverno ou verão. Era dentre os irmãos, o responsável por tirar o leite das vacas e ajudar a mãe em algumas tarefas. Mesmo assim, conseguia brincar um pouco. De pé no chão – quando o tempo estava quente - correndo pelo meio do mato ou - quando frio e chuvoso - fazendo cestos de vime no celeiro que o pai insistia chamar de 'granaio'. As sete horas, ia para a escola com as irmãs mais velhas. Caminhavam quilômetros para chegar ao colégio da congregação de São José.
Quando retornavam, trocava de roupa em casa e ia direto para a lida com o pai. E aí, era o trabalho de lavoura, do arar, dos milharais, dos parreirais, das podas e cuidados da horta, até o anoitecer.
Garibaldi - 1900
Anotando as medidas cuidadosamente em seu bloco, nem reparava o quanto seu amigo e cliente havia engordado. Era daqueles dias em que vinham à sua recordação de onde surgira seu nome, quais datas a zelar, meditar e orar pela família na Itália - como o pai lhe ensinara -, com os préstimos obtidos pelo sangue liquefeito do mártir.
Itália - 1875
Seu pai Antonio vindo da península, assim como o seu Bartholomeu, pai do Clodoveu, dizia:
‘Tre volte l'anno (il sabato precedente la prima domenica di maggio e negli otto giorni successivi; il 19 settembre e per tutta l'ottava delle celebrazioni in onore del patrono, ed il 16 dicembre), durante una solenne cerimonia religiosa guidata dall'arcivescovo, gli fedeli accorrono per assistere al miracolo della liquefazione del sangue di San Gennaro ‘
A nona – avó paterna - que ficara com o nono – avô paterno - em Quingentole -Mantova, era natural de Napoles e profunda devota do padroeiro da cidade. O pai batizara-o para homenageá-la. Antonio e Bartholomeu vieram ao Brasil ainda crianças. Seus pais viram os trabalhos de seus barcos-moinhos, restringidos ao máximo pelo governo italiano. Havia o risco de assoreamento total no leito do rio Pó, dado o volume de cascas dos cereais ali jogadas. O Brasil surgiu como salvação.
To be continued

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Mestieri: sarto - 7

Viagem através do tempo, pela moda da vestimenta...

Fotos da Itália em 1880, Garibaldi no fim do século XIX e início do século XX, mostram os trajes a cada época.

Itália - 1880
Garibaldi - 1890


Garibaldi 1895
Garibaldi - 1905
Garibaldi - 1910
Garibaldi - 1940
















sábado, 27 de novembro de 2010

Mestieri: sarto - 6

–‘Uma bela camisa xadrez para o cavalheiro!’, disse o idoso.
Como mágica surgiu no balcão um rolo com tecido grosso, uma flanela, de estampa quadriculada gritante, vistosa ao extremo e que certamente só uma criança usaria.
-‘Um pensador inglês afirmava que o traje influencia
o pensamento da sociedade. ’, emendou o alfaiate, com ar orgulhoso.
Súbito, aromas de uma cozinha próxima se destacam na confusão.
-'Almôndegas e pimentão! ’, exclama o pequeno.
-‘O que é almôndega, o que é pimentão?' , retruca o velho.
-‘É a tua polpetta, é o teu peperone!!', solta o meninote. Todos caem na gargalhada.
Típico dos homens, o aceite sobre a oferta do pano foi imediato, tanto pelo avô como pelo neto. Não havia lugar para outras amostras.
Tomadas as medidas, marcado o dia da prova, jamais o menino sentiria emoção igual àquela tarde.
Dias após, com a camisa pronta, colarinho e punhos armados, mangas compridas e botões grossos, aquele xadrez seria um troféu único e exclusivo a exibir.
Ao se despedir do vô - pouco tempo depois -. beijando-lhe as mãos geladas, já no ataúde, todos estes fatos voltaram à sua nemória.


sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Mestieri: sarto - 5




Nos caminhos escolhidos, passavam ora pelas costureiras: a dona Geni Santarosa, a dona Marietina; ora pelos alfaiates: seu Natal Prancutti, o Toniazzi, o João Balbinot, o seu Luiz Zamboni

Num destes périplos pela cidade, certo dia o menino foi levado para dentro de uma alfaiataria. Ali, numa pequena peça de poucos metros quadrados, parcamente iluminada, empilhavam-se: o balcão rústico, as prateleiras com vários rolos de tecidos escuros e riscados, o ferro de passar fumegante num canto do chão, aquecido pelo carvão em brasa, réguas de madeira - amareladas e inelegíveis pelo uso -, fitas métricas puídas, várias tesouras enormes, pedras para riscar e marcar o pano, almofadas cravejadas de alfinetes, a máquina de costura PFAFF a pedal, dois manequins sem cabeças ou braços portando casacos semi-acabados e o alfaiate.

Sorridente, quase completamente calvo, saiu detrás do balcão e veio cumprimentar ambos, avô e neto.

Conhecidos na França como ‘Tailleur’, na Itália por ‘Sarto’, na Espanha por ‘Sastre’, (do latim Sartor, Sarcire, coser), em Portugal revelou-se sua ligação ao mundo árabe, ao adotar ao ofício um nome derivado da palavra árabe Al-Kaiat ou Al--Kaiiat, do verbo Khata que significa coser. Independente da designação, os alfaiates desde a antiguidade clássica tinham a exclusividade do corte e costura das diversas peças de roupa, tanto masculinas, como femininas. Privilégio que mantiveram até o século XVII.

Este século costuma ser apresentado como a época de ouro da alfaiataria. Muitos dos símbolos do poder passavam então por um vestuário de aparato, e este dependia em grande medida da arte e da técnica de cada mestre alfaiate.

Sob o impulso da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, caminhou-se inexoravelmente para a liberdade no exercício do trabalho. Apenas em 1817, os alfaiates conseguem que lhes seja permitido adquirirem os tecidos para o exercício do seu ofício. Passados alguns anos , em 1853, é constituída na cidade do Porto - Portugal, a Associação dos Alfaiates desta cidade e a primeira a abandonar os princípios corporativos que remontavam à Idade Média. Em Setembro deste ano, é criada em Lisboa, a Associação dos Alfaiates Lisbonenses. Estavam encontradas as novas organizações profissionais juntando mestres e aprendizes, proprietários e trabalhadores. A Europa ditava as normas do ofício e por consequência, as imigrações difundiriam a transformação.

To be continued

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Mestieri: sarto - 4


Nossa saudação para nossa mais nova seguidora Elenita. Seja bemvinda.

Prosseguimos!

Pelas avenidas e ruas por onde caminhavam avô e neto, a história se fazia presente. O tempo recuava ao som das palavras do ancião, recordando fatos ou pessoas.





Frisava o enorme desenvolvimento já em 1884, quando a Colônia de Conde D’Eu toma o conceito de ‘Freguesia’, desmembrando-se de Estrela e dois anos após, 1886 - em 1º de setembro – foi erigida a primeira capela.

Em 1896 chegavam da França os capuchinhos para fundar a escola seráfica, formadora dos primeiros frades brasileiros.

1898 - Em 23 de dezembro, as Irmãs da Congregação São José de Mouthier - França sedimentam a presença educacional e cultural do município, com a sua primeira missão em solo brasileiro.

1900 – 31 de outubro –, Garibaldi toma o título de município. O mais antigo pólo da colonização italiana da província. Sua história tem o contorno do heroísmo, tal o guerreiro dos dois mundos mitificou entre nós – Giuseppe Garibaldi.

1904 - Os Irmãos Maristas fundam a Escola Santo Antonio.

A cidade de Garibaldi estava sendo moldada, atraindo incontáveis jovens estudantes de outras paragens, engrossondo as fileiras intelectuais da região.

1918 - A estação férrea foi inaugurada. No ano seguinte o ramal foi estendido até Bento Gonçalves. Em 1920, passou para o Governo Estadual, formando-se a Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Na cidade foram construídas as oficinas gerais de toda a província, para manutenção e conserto das locomotivas e vagões.

O neto absorve as palavras do avô como lição, apesar de não ter ainda cinco anos.

To be continued


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Mestieri: sarto - 3

Outro dos percursos, enviesando a rota costumeira, seguia até o Correio em busca de alguma postagem. Dali, cruzando a ponte sobre o límpido Marrecão, bordado pelos chorões, rumo até o armazém do seu Mânica, o estabelecimento do seu Gallina, a ferragem Cisilotto, seu Antoniazzi e na volta, um pulo na ferraria do primo Tercílio.

Não raro, em dia de pouco sol, uma ida até as cantinas, abraçar os conhecidos: Cooperativa Garibaldi – um portento -, Carraro e Brosina, George Aubert ou Peterlongo. Como eram muito distantes, fazia-se uma por vez. Sempre havia o tempo para cultivar a amizade.

Pelo caminho, nas manhãs, uma das distrações era adivinhar o perfume culinário que assomava os ares, numa disputa sobre quem mais acertava:

- Osmarim!

–‘O que é osmarim?’

-‘É o teu alecrim!’ – disse o vô. Risos

Toucinho, alho porró, salsão, cebola e alho refogados com tomates, orégano, sálvia, mangerona, mangericão, cominho, coentro, manteiga fritando, batatas e carne assadas, rúcula ou agrião recém colhidos, pão saindo do forno de barro. As sopas e canjas. Um festival aromático que antecedia o almoço. Nas tardes, eram os odores doces das frutas em passas e açucaradas, descansando em bandejas de vime nas janelas, dos bolos e caramelados. O café moído na hora e coado em água fervente, exalava seu perfume para longe.

O trajeto do dia seguinte, iria até a Ermida. Visitariam o seu José Zoppas, iriam tomar a benção na Igreja Matriz, dar um abraço no Mereb e passear na praça central.

To be continued

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Mestieri: sarto - 2

O avô contava sempre a história da cidade. O neto ouvia atento.

1870 – Província do Rio Grande do Sul – Ato do seu presidente – João Sertório – cria pólos para povoamento e colonização do planalto serrano no estado. As sedes de assentamentos e divisões são criadas: Conde D’Eu e Dona Isabel.

1873 – Segundo alguns registros de historiadores, foi o ano da chegada dos primeiros imigrantes, provindos do Tirol. Eram setecentas pessoas, com a índole agrícola e pastoril... Algumas famílias suíças – cerca de quarenta -, já estavam aportadas na região. Os italianos acompanhados por um sacerdote, padre Bartholomeu Tiecher, deram início a civilização. A primeira família tomou assento: Cirillo Zamboni, esposa e filhos.

Em poucos anos, os frutos da terra: uva, vinho, milho e da criação: aves, suínos e gado leiteiro, catalizados pelo cooperativismo, impulsionam o pólo Conde D'Eu para um progresso não imaginado. As cartas entre os dois países – Brasil e Itália – indo e indo ao balanço dos vapores, pipocavam com anseios de mais e mais conterrâneos virem à nova pátria.

Da ocupação colonial, a sede do município já clamava pelas profissões urbanas: ferreiros, marceneiros, carpinteiros, mascates, tanoeiros, pedreiros, sapateiros, barbeiros, padeiros, açougueiros, serralheiros, alfaiates e outras tantas. Com a moeda girando velozmente, encadeia-se um intransferível eldorado.

To be continued

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Mestieri: Sarto / Ofício: Alfaiate 1

Rua Buarque de Macedo - Garibaldi - setembro 1952

Um resgate de memória, com incentivo da pesquisa, originará as linhas a seguir. É o retorno às origens da arte de um ofício extinto - a alfaiataria -, mas que marcou toda sociedade no fim do século XIX, início do século XX.

GARIBALDI RS BRASIL - Início da década de 50
OFÍCIO: Alfaiate
MESTIERE: Sarto
O menino sempre aguardava o avô paterno, encostado no portãozinho de entrada da casa. Ficava ali por minutos, ouvindo – seriamente – o tossir e escarrar ofegante do ancião lá dentro. Após alguma angústia, surgia-lhe a figura querida. Gordo, bonachão, sorridente e carinhoso, o velhote pegava na mão do piá e saíam felizes os dois para a caminhada do dia. Faziam todos os dias, roteiros variados, como um ‘tour’ para saudar os conhecidos.
Um dos roteiros preferido, seguia pela rua Buarque de Macedo. Via importante que procedia de outras cidades e ia para outras tantas. Era a veia jugular da região. No perímetro urbano, estavam o cemitério - campo do descanso das lides terrenas -, a oficina e chapeação do Dante Montemaggiore, a família Bonotto - tios e primos -, o Colégio das Irmãs de São José, a Associação Comercial, o Açougue, a pensão da dna. Itália, o posto de combustíveis, o Hotel Pieta, a loja de tecidos do seu Debiasi, o baratilho do Mottin, os Nehme e os Koff, a fundição de sinos dos Bellini - famosa no país todo -, a farmácia do D’Arrigo, outro açougue, a sapataria, seu Rossoni, a loja dos De Conto, seu Pizzatto, a farmácia do seu Urbano Jung, o médico da cidade - o dr. D'Arrigo -o bar-café Luna Park da dona Marieta Comunello – vó materna do piá deste relato, a barbearia do Zaro, a padaria do Pezzini, o Banco da Província, o armazém do Marangon, o seu Cattani, a casa dos Ponzoni, a casa da professora de piano, o cinema Trianon, o hotel dos Mombach, a bica de água - sempre corrente e sob a sombra dos cinamomos -, os chorões e o lajeado do arroio Marrecão onde senhoras lavavam roupas e a curva da via indo para a Alfândega..Este roteiro acabava ali. Um bom descanso e o retorno.
O guri exibia orgulhoso o avô e este mais orgulhoso ainda, exibia o neto. Uma parceria com cumplicidade.
to be continued

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Uma nova pátria ! - 6

Uma nova pátria !

Somente algo extraordinário nos faria trocar de solo-mãe. Como deixar para trás quem nos recebeu ao primeiro sopro de vida? Seria o mesmo que renegar o seio que alimenta. Mereceria um estudo aprofundado... Abraços a todos.

Hoje a identificação dos personagens que viveram o relato. São eles:
Lorenzo e Madalena Ponzoni
Da Itália
Lorenzo Ponzoni – pai de Carlo
Madalena Galli Ponzoni – mãe de Carlo
Marcos Masseroni – pai de Maria Santa e Luiz (Gigio, também chamado pelas crianças de zio Bigio.)
Lúcia Ponzoni Masseroni – mãe de Maria Santa e Luiz (Gigio)
Imigrantes
Carlo Ponzoni – Esposo de Maria Santa
Maria Santa Masseroni Ponzoni – esposa de Carlo
Luiz Masseroni – Gigio – Irmão de Maria Santa
Do Brasil
Elisa Zamboni Masseroni – esposa de Luiz Masseroni (Gigio)
Os filhos de Carlo e Maria Santa
Therezinha Ponzoni Tarrasconi – esposo Clemente
Gomercindo Ponzoni – esposa Berenice
Santo Ponzoni – esposa Tereza
Adilce Lucia Albina (Dirce),
Celeste Ponzoni – esposa Anna Zottis
Elide Ponzoni Cerri – esposo Ernesto
Marcos Lourenço Ponzoni – esposa Anna Barrichello
Ana Ponzoni Ghidini – esposo Ernesto
Linha do tempo das exéquias – Pesquisa da historiadora Profª. Elenita Girondi - Arquivo Histórico - Prefeitura de Garibaldi RS
Ferramentas e instrumentos de Carlo – Encontram-se intactos em Nova Prata, com projeto de museu.
Episódio do elefante Lelé: fato verídico acontecido em Garibaldi, no início da década 40 e testemunhado por minha mãe - então adolescente - e, - além de outros -, por Leda Ponzoni Balzan e Neuza Ponzoni – ainda crianças – filhas de Marcos Lourenço Ponzoni. Este fato me foi narrado, de forma atemporal e sem mútuos conhecimentos. As pessoas citadas moravam à época, em casas vizinhas...
A foto no texto é do paquiderme Lelé, do Circo Holdem, tirada por Mário Accorsi e oferecida para Nestor Baptista Accorsi.


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Uma nova pátria ! - 5

03 de setembro de 1940 – Como encanto Gigio viu-se diante da bela casa onde residiam seus sobrinhos. Construída em 1927 pelos filhos homens de Carlo, primava pelos ricos detalhes ornamentais e por suas belas sacadas, além dos vidros coloridos.

Gigio pensou no orgulho de Carlo e Maria Santa se ainda vivessem. Nos fundos havia a marcenaria da família, especializada em móveis e esquadrias. Pela distância do porão em pedra até o sótão, media-se a imponente estrutura do imóvel.

Um estranho bem-estar tomava conta de seu velho corpo de 73 anos. As dores constantes haviam sumido. Os perfumes no ar anteviam a primavera. Gigio estava liberto..

Um alvoroço repentino sacudiu a paz. Crianças, provavelmente filhos de Santo e Tereza, Gumercindo e Berenice, Celeste e Rosa, Marcos Lourenço e Anna, - pois as filhas moças haviam se mudado para outra cidade-. corriam desabaladamente. Gritos de surpresa subiam aos ares. Adultos clamavam para terem cuidados.

Ninguém pareceu notá-lo.

A sombra de um enorme elefante passou na calçada. Fugido de um circo, havia subido a escada de pedra que ladeava a casa, seguindo rumo às hortaliças da vizinhança e para roubar pães quentinhos, direto no forno de barro da padaria próxima dali. O domador desesperado gritava: ‘Ca’mon Lelé! Ca’mon Lelé!, sem ser ouvido pelo paquiderme.

O rebuliço da turba sufocava a normalidade. Gigio reparou então, num casal de jovens, acompanhado por uma bela moça. Vinham todos em sua direção, rindo e conversando. Era Carlo, com Maria Santa e Elisa. Abraçaram-se e de mãos dadas começaram a levitar. Foi quando olhou seus reflexos nos vidros coloridos da casa. Estavam todos jovens, belos e sorridentes. Começariam outra jornada.

To be continued

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Uma nova pátria ! - 4

Mais um seguidor! Bemvindo Miau Mafia...

Seguimos com a saga de nossos imigrantes. Ao final identificarei cada personagem.

Meados de 1915. Os filhos homens e as filhas moças eram a alegria de Carlo. Naquele dia sua memória chamou Maria Santa. Com saudades recordou os ‘carciofi’ (pronuncia-se cartjiofi - alcachofras) que apenas ela sabia deixar tenras, tal as ‘mamoles’ (alcachofras de folhas sem espinhos) da Itália. Não via a hora da primavera chegar para saborear uma vez mais os ‘carciofi’. Achava engraçado como se modificara a pronúncia deste quitute entre os próprios italianos. Ouvira até mesmo ‘arquichoqui’. O dialeto já dominava o gramatical italiano. Esta seria a nova pátria de todos.

Os filhos maiores souberam apoiá-lo na criação dos menores. Os homens se dedicavam ao ofício que denodadamente lhes transmitia. As moças lidavam com perfeição as tarefas domésticas.

Acordara cedo naquele dia, com o perfume do leite fresco a esquentar, o pão caseiro, a nata, o salame, o queijo e o café coado, todos a perfumarem a cozinha.

16 de junho de 1915 – Gigio estava pasmo. Diante do esquife e preparativos para o funeral de Carlo, arrumava suas idéias. Após a queda na escada interna da casa, Carlo parecia estar bem. Com apenas 51 anos, logo estaria na marcenaria com os filhos, curado e ativo. Como pudera tal fratura encaminhar-se para tal desfecho? A conclusão de que nada somos e uma queda mal curada pode matar fê-lo voltar os olhos para o alto. Um pensamento foi direto para a Itália, chamando os velhos pais para ajudá-lo a suportar a dor da perda do cunhado e amigo. Do trio apenas restava ele.

Sentiu um abraço. Era Thereza, a filha mais velha de Carlo que lhe disse: -“Tio, não se preocupe. Cuidaremos dos menores e tudo dará certo!”

To be continued.




segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Uma nova pátria ! - 3


Em 31 de outubro de 1900, o governo do estado do Rio Grande do Sul eleva a colônia Conde D'Eu à condição de município, que passa a chamar-se de Garibaldi.

12/04/1907 – Carlo estático diante de sua silenciosa mulher, esposa e mãe, ainda ouvia - ressoando em sua mente -, os gritos de ‘Aiuto!’. Buscava forças no passado para fugir do desespero do presente. Alguns anos antes, dezenove, - ele e Maria Santa juntos com Gigio, subiam a serra rumo a então Colônia Conde D’Eu.

Recordava mostrar para Maria Santa a imponência de árvores desconhecidas. Com troncos enormes e galhadas assustadoras, lembravam o pinheiro norueguês. Ali estava o futuro para seu ofício. Maria Santa sorria enigmática. Seu ventre já trazia o primeiro fruto dos nove que iria parir.

Lembrava também do bordo, magnífica árvore, ainda no aprendizado à marcenaria. As ferramentas e equipamentos chacoalhavam tinindo nos lombos das mulas. Estava feliz.

O pesado odor das velas queimando e dos copos-de-leite trouxeram-no de volta ao velório, Carlo nem percebia a ausência do feto feminino que causara a tragédia. Seu olhar vagueava entre a querida imóvel e os filhos. Sua esperança estava em Gigio, agora com Elisa. Certamente iriam ajudá-lo a criar a prole.

Therezinha, Gomercindo, Santo, Adilce Lucia Albina (Dirce), Celeste, Elide, Marcos Lourenço e Ana estavam estupefatos. A mãe não acordava mais..

To be continued


domingo, 14 de novembro de 2010

Uma nova pátria ! - 2



Carlo, sua esposa e o cunhado Gigio partiriam logo pela manhã. Todos estavam ansiosos. Entre seus pertences, o precioso torno movido a pedal e a maleta de madeira lavrada com os instrumentos essenciais para a prática da profissão. Esta fora absorvida junto à corporação de ofícios marceneiros. Os mestres-artesãos faziam da madeira em tábuas, móveis e objetos usados em decoração de interiores, no perfeito domínio das técnicas de entalhe e embutidos. Carlo ainda recordava um velho mestre lhe contando as vicissitudes da pátria-mãe, as lutas e revoluções. Sintetizando toda a informação, ficara claro que o Congresso de Viena havido em 1815, terminara com o regime napoleônico na Itália, dando o controle da península para a Áustria, restabelecendo antigos regimes feudais. A depressão social e econômica, além de uma série de revoluções marcou o movimento chamado de Risorgimento (‘re-despertar '), um clamor para a independência italiana. Em 1859 e 1860, auxiliado pela França, o reino Piemonte-Sardenha conduziu a luta contra a Áustria. Giuseppe Garibaldi e seus 'camisas-vermelhas' conquistaram a Sicília e Nápoles e por 1870 a Itália era uma monarquia, unida sob Victor Emmanuel de Piemonte.

Súbito, um pensamento ocorreu a Carlo: - 'E se não houvesse madeira adequada à marcenaria no Brasil?'.

To be continued

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Uma nova pátria ! - 1

Carlo e Maria Santa

Ao perscrutar dados familiares de imigrantes italianos, vi-me diante de um pedaço da história. Tentarei passar a todos, nas próximas linhas, a sensação que me assomou nesta aventura.

Aldeia Torre de Picenardi, província de Cremona – Itália, 1888. Lorenzo sentado diante do fogo que crepitava, estava pensativo, olhando para o nada. Madalena, sua dedicada esposa, aprontava uma sopa para o jantar, com passos silenciosos. A pergunta surgiu repentinamente: -‘O que pensas?’.

Lorenzo pigarreou e disse: -‘Carlo, nosso filho, sua mulher Maria Santa e o irmão dela, o Luiz, querem emigrar para o Brasil. Já falei com os pais dela. O Marcos e a Lúcia estão conformados. Parece ser a única solução contra a miséria e pobreza que assolam o país’. Sempre temíveis, os constantes conflitos militares fronteiriços, privilegiavam as convocações dos filhos de agricultores preferenciaimente. A Tripolitânia e sua anexação cobraria vidas por muito tempo ainda e a Líbia efervescia para mais um conflito generalizado.

Madalena persignou-se, como se as cruzes traçadas na testa, na boca e no peito removessem o laico do pensamento, do dito e do coração: - ‘Com nossa benção, eles devem tomar a rédea do destino!’.

Como milhares de italianos, Carlo, Maria Santa – então com 25 anos - e Luiz, - com 21 -, arregimentaram suas posses e seguiram para Gênova. Os navios saiam dali rumo à nova pátria. Para trás ficaram os pais, outros irmãos, amigos e um pedaço da vida,

To be coninued