terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Mestieri: sarto - 19

Doía-lhe ver a extinção de alguns verbetes, como os acessórios sempre queridos: ombreiras, suspensórios, polainas, barbatanas, abotoaduras ou a feitura de: punhos duplos, bainhas debruadas, cós, colete, al.gi.. bei...ras.

Estes sons esvaiam-se como nuvens aquecidas pelo sol, sumindo... O uso de tais peças pelos jovens meninos, tinha o significado de um ‘bar mitzvah’ para o jovem judeu. A alegria em ganhar as abotoaduras que teriam sido do pai do pai... A maioridade - para o menino felizardo - estava alcançada.

Isto tudo desapareceria?

Como figurinistas de uma ampla peça de teatro, chamada ‘Vida’, estes alfaiates jamais poderiam faltar. Gennaro passou as mãos pelos olhos cansados. Furtivas lágrimas vieram lhe regar a pele seca das faces.


Era o consolo de Gennaro! Lembranças dos ditos sobre o Luigi, seu filho Ambrósio, – vindos da Itália - e o neto Dante – nascido no Brasil -, a família Toniazzi dedicada desde os primórdios da cidade a arte de cozer. O João PIzzoli a costurar as centenas de fatiotas incessantemente.

O Antonio Paganelli e seus dedicados filhos, a somarem na arte do ofício. De 1875 até 1935, cem mil italianos, imigrantes por opção e necessidades, aportaram no nordeste da província. Muitos eram ‘sarto’ e souberam dignificar a função. –‘Sobreviveríamos?’.

Gennaro voltou ao trabalho, numa bela camisa xadrez, prometida ao neto de Clodoveu para aquela semana.


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sábado, 18 de dezembro de 2010

Mestieri: sarto - 18

Garibaldi – O declínio

As novas significações atribuídas pela sociedade moderna ao que são únicas e singulares vale indagação se no campo da sociologia, do mundo da produção, o produto do trabalho gerado numa alfaiataria, estaria porventura a merecer a atenção da característica do mercado, ávido pela apropriação e exploração do que é manual, do diferente, do que está em extinção?

Depois de visitarmos a conexão temporal que nos permitiu compreender a contradição entre o envelhecimento do ofício numa sociedade determinada e afoita pelo moderno, pela transformação, pelo mais rápido, nos sentimos no dever de adentrar ao mundo da alfaiataria para conhecer como se esta visão de mundo processava suas dinâmicas.

Ao fim de uma época áurea na arte da alfaiataria, Gennaro estava beirando os 80 anos. Alguns amigos de ofício ainda mantinham um espaço reservado em suas casas, onde guardavam máquinas, agulhas, moldes, móveis pertencentes à alfaiataria ou guardavam com zelo, antigos utensílios do trabalho, - tal como a tesoura preferida, o dedal, a agulha de uso pessoal -. Ele também o faria assim.

Nisto viu Clodoveu se aproximando, trazendo um menino pela mão... O perfume dos panetones já flutuava pelos ares. Estávamos em dezembro... Enquanto houvessem clientes, haveria esperança.

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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Mestieri: sarto - 17


Garibaldi – década de 50


A Segunda Grande Guerra, notícias de uma Europa destruída, o estigma da raça inimiga, a desconfiança dos pátrios, a escassez dos panos e tecidos tradicionais: linho, lã, seda, algodão, gabardina ou astracã. Parecia estranho, mas quanto mais faltavam tecidos para confecção dos ternos, mais roupas prontas surgiam nas lojas.

Mas havia algo mais surpreendente para as observações de Gennaro. Outro fator estava minando sorrateiramente o seu ofício. Tempo! O tão vagaroso e sonolento tempo de outrora, subitamente tornou-se apressado. Ninguém mais o tinha à vontade. Os meses transformaram-se em dias, estes em horas e estas em minutos. Para um casamento, antes se tinha meses para os aprontos, agora... Apenas semanas. Algo fizera a sociedade andar depressa, sem paradas para um bate-papo, sem tempo para nada.

No entanto se tivesse que optar por outra profissão, esta sua arte seria de fato o que orientaria a mudança na forma de ganhar a vida, jamais se distanciando completamente do ambiente configurado pela alfaiataria ou mesmo dos instrumentos e objetos usados no trabalho. Não saberia viver sem eles.


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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Mestieri: sarto - 16

Os antecedentes da Revolução de 30 no Brasil

Quando tudo parecia estar calmo, permitindo uma vida pacífica, com a natureza contribuindo com boas estações sazonais, as colheitas sobejas, o vinho espumante fazendo sucesso no mercado, a estabilidade emocional entre os italianos ‘formadores de opinião’, algumas frases, uns nomes nunca dantes ouvidos, começavam a circular pela alfaiataria de Gennaro, com os clientes tomando partido ora de uma, ora de outra opção.

-‘Oligarquias, elites, sitema capitalista, quebra da bolsa em Nova Iorque, intervenção do Estado na economia, Washigton Luiz, Getúlio Vargas, Prestes. O momento previa previa confrontos.

Sob um clima de desconfiança e tensão, o candidato Júlio Prestes foi considerado vencedor das eleições daquele ano. Mesmo com a derrota dos liberais, um possível golpe armado ainda era cogitado. Com o assassinato do liberal João Pessoa, em 26 de julho de 1930, o movimento oposicionista articulou a derrubada do governo oligárquico com o auxílio de setores militares.

Depois de controlar os focos de resistência nos estados, Getúlio Vargas e seus aliados chegam ao Rio de Janeiro, em novembro de 1930. Iniciando a chamada Era Vargas, Getúlio ficaria por quinze anos ininterruptos no poder (1930 – 1945) e, logo depois, seria eleito pelo voto popular voltando à presidência entre os anos de 1951 e 1954.

Seria o começo do fim?

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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Mestieri: sarto - 15

Garibaldi - 1930

Nota-se que num mudo em que grandes transformações bélicas, tecnológicas e de costumes, eram anunciada, silenciosamente ocorria um processo de desvalorização do ofício como arte.

Contradições que vieram sendo trabalhadas para se criar a trocar entre o talento, do ‘saber’ do artesão, pela eficiência da técnica e da superprodução. No caso da alfaiataria, a vinda da roupa pronta e acessível, nas casas de moda ou magazines, seria a ‘vilã’ causadora do desprestígio da categoria.

Gennaro já observara que todos em busca de roupa nova, teriam ç feitio em poucos tamanhos do manequim – pequeno, médio, grande ou extragrande -. Seus colegas alfaiates ainda teimavam dizer que cada indivíduo tinha seu tamanho próprio. Este paradigma iria botar um fim na profissão.

A partir da chegada da roupa feita, Gennaro ouvira que na capital e cidades maiores, muitos alfaiates tiveram que fechar suas alfaiatarias ou criar estratégias de

Sobrevivência, se adaptando como trabalhadores assalariados em grandes redes de lojas, atuando em pequenos consertos. Outros, após cerrar as portas da alfaiataria se vieram na condição de ir trabalhar como vendedores em lojas de roupa.

Mas outra revolução estava a caminho...

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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Mestieri: sarto - 14

Garibaldi - 1923
Nestas primeiras décadas do século XX, palcos de períodos com grandes tensões nas estruturas mundiais, tanto quanto o aspecto econômico, como político e social, a convivência entre o novo e o pós-moderno, teria produzido várias situações de cunho beligerante para estas gerações, sejam elas nascidas nos países ditos centrais, seja em países de desenvolvimento diferenciado como o Brasil.
-‘ E então Gennaro, a favor ou contra?’ Era o intendente Acauan chegando ao seu estabelecimento.
-‘Olá doutor! Nem chimango, nem maragato. Muito antes pelo contrário...Aqui vale o gosto do cliente!’, replica Gennaro. Ambos desatam a rir.
Brincadeiras à parte, muitos conceitos novos e nomes diferentes estavam rondando a colônia e a cidade: Júlio de Castilhos, Assis Brasil (chimangos), Borges de Medeiros (maragatos), Zeca Neto, lenços vermelhos ou brancos, degolas, assisistas, vingança pelas escaramuças de 1893, tiroteios – a casa de Vicente Dal Bó fora crivada por balas -. No ar prenúncios de mudanças.
Qualquer indecisão ou má escolha poderia ser fatal. A Prefeitura Municipal – inclusive -, teve uma grade colocada nas escadaria, por ordem do intendente.
Corria o boato que os maragatos invadiriam Garibaldi e com receio de que ocupassem o Gabinete, o intendente ordenou a colocação deste obstáculo. A invasão ocorreu, houve troca de tiros e arruaças. Os maragatos assaltaram o clube “Borges de Medeiros” e com a sua imagem, desfilaram pela cidade, cantando vitória.
A Itália definitivamente estava ficando para trás na memória do imigrante....
Pelo menos a comunidade reconstruira o templo incendiado e logo haveria a sagração. Com a festa se aproximando, ternos novos para todos. O trabalho sobraria para os alfaiates. Em 15 de março de 1924, Dom João Becker consagrou o templo e o considerou como sendo um dos mais artísticos, do Rio Grande do Sul. O responsável técnico foi o Engº. Agostinho Mazzini.


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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Mestieri: sarto - 13


Garibaldi – 1920
Quinta-feira fatídica, 18 de junho. A cena era ‘dantesca’. Os sinos haviam dado o alarme. O povo acorrera imediatamente. A igreja matriz estava em chamas. As labaredas consumiam velozmente as madeiras da capela-mor e seu altar, da sacristia e seus armários. Alguns fiéis se apressaram em retirar as imagens da nave principal. Gennaro – vindo da alfaiataria - se incorporara à corrente humana que do depósito de água da Usina Municipal, transportando baldes cheios e o retorno vazios, numa quase inútil batalha contra o fogo. Anos de labuta, quermesses, dinheiro arrecadado e capilarmente recolhido se transformando em cinzas. O incêndio seguia passando da sacristia ao lado do evangelho para a capela mor e dali para o corpo principal do edifício.
Gennaro, entristecido, pensava no sacrifício de todos e da cidade que ainda sentia o impacto econômico deste empreendimento gigantesco. Cerca de seiscentos contos de réis em poder das chamas. Todos haviam colaborado para tal montante e o comércio, mais que todos, soubera dedicar sua cota.
Súbito, três jovens e amigos seus, Comunello – o Antonio -, Balconi – o Eduardo e Beal – o Agostinho -, com machados nas mãos, subiram no telhado. Abririam um lapso no caminho do fogo, impedindo seu avanço. Corajosamente, lá no alto de dezesseis metros, arrancaram telhas e romperam a estrutura de madeira. Como milagre, o fogo estancou sua fúria neste lugar, preservando todas as naves.
Ao menos a comunidade teria menos que reconstruir. ‘Grazie San Gennaro!’.
Garibaldi, foto na escadaria da Prefeitura Municipal, início da década de 40,após a ordenação de um sacerdote.

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Garibaldi - Início da década 40

sábado, 4 de dezembro de 2010

Mestieri: sarto - 12

Itália 1875

O aprendizado dos ofícios nas escolas antiqüíssimas destacava-se há longo período histórico. Nestes estabelecimentos, os mestres eram os guardiões dos saberes e os aprendizes, a sucessão, a virtuosidade da continuidade da Arte, do ofício. Com o declínio da Arte, entendida como ofício, e o advento da atividade fabril, uma nova lógica do trabalho se instaura no ambiente urbano.

Brasil 1888

Já na nova pátria, tanto Pietro como outros tantos artesãos, companheiros de ofício ou conterrâneos dedicados a outras lides artesanais – todos atraídos pelas cartas de amigos e parentes ao novo Eldorado -, perceberam logo a dura realidade. Nada ali seria fácil.


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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Mestieri: sarto - 11

Garibaldi – 1905

Gennaro chegara cedo ao prédio onde seu Pietro tinha a alfaiataria. Naquela manhã fria de maio, sábado que antecedia o primeiro domingo do mês, o 'nada' por fazer no trabalho, só restava aguardar um cliente qualquer. O velho mestre o aguardava sentado num canto do aposento. Mostrava-se cansado. Raro vê-lo assim. Somente um novo trabalho o animaria. Então Pietro chamou-o dizendo:

-‘Sente-se aqui perto Gennaro!’

O abatimento era palpável. O vetusto artesão tinha o olhar longe. Estava voltado para a sua querida península, para suas raízes deixadas longe há tanto tempo. Como se numa aula, ditou para o aprendiz:

-‘Nostro mestieri, sarto.... ’

Engasgou-se, tossiu e reiniciou o monólogo, cuidando não machucar as palavras desta nova língua, tão estranha e tão diferente, impossível de gesticular com as mãos, como na sua adorada língua materna.

-‘ Nosso ofício, alfaiate está sem união. Lá na Itália, antes de vir, tínhamos em Toscana a chamada Arte, em Roma era o Colégio, na Lombardia o Consulado, no Piemonte a Universidade, na Emília-Romana a Companhia, Grêmio na Sardenha, Confraria ou Irmandade no Vêneto, as Mestranças na Sicília. A educação ou o ato de transmitir o conhecimento trocava de nome, mas não de essência... ’ As forças faltaram-lhe. Sorrindo, fixou o olhar no infinito, murmurando: -'miracolo San Gennaro!'. Frei Bruno de Guillonay que o perdoasse, não estaria presente na quermesse para arrecadar fundos visando a reconstrução da igreja matriz. Partiu!

Chocado, Gennaro compreendeu o quanto devia a este velho mestre e como ele amava suas origens e o quanto lhe foi prazeroso ensinar.

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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Mestieri: sarto - 10


Garibaldi - 1917

A harmonia de pensamentos entre a vida e o trabalho, com as duas dimensões andando como se uma só, fizera Gennaro optar pela lógica de viver do ofício escolhido pelo pai.

No início de seu aprendizado, observava que com as mudanças nos tipos de tecidos, dos aviamentos, nas máquinas e acessórios e com o crescimento da demanda, a atividade prometia.

Uma alfaiataria manteria preservados sua existência e projetos de vida, pois no domínio dos ofícios artesanais, se mantém fiel contato com a arte do fazer, tanto no significado histórico como nas particularidades das operações cotidianas. Pietro impregnava-o com tais saberes. O mestre-artesão em seus ensinamentos ao aprendiz, derramava conhecimentos indeléveis. O processo parecia miraculoso e nada indicava estremecimentos. Os poderes temporais e espirituais mesclavam-se. Desta maneira, se vida e trabalho caminham juntos, convinha lembrar o sentido da vida e o envelhecimento, de como todos se comportariam em respeito à sua opção.

Lá na Itália, os fiéis bradavam os milagres a retornarem.

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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Mestieri: sarto - 9

Antes de prosseguirmos, nossas boas vindas para este advogado-poeta mineiro a honrar o blog.

Seguindo:


Garibaldi - 1917

-‘Capriche no meu traje de núpcias Gennaro! Ainda trarei um neto para fazeres uma roupa contigo!’. A voz e a risada o trouxeram à realidade. Clodoveu ainda insistiu: -

-‘Não me faltes ao convite hem!? ’

Garibaldi 1888

- ‘La liquefazione del tessuto durante la cerimonia è ritenuto foriero di buoni auspici per la città e per tutti quanti; al contrario, si ritiene che la mancata liquefazione sia presagio di eventi fortemente negativi e drammatici per noui altri’.

A voz do velho pai repicava em sua memória com tais palavras. As cartas demoravam quatro meses ou mais e as notícias sobre os presságios custavam a chegar às colônias de Garibaldi.

Recordava a decisão em aprender um ofício na cidade. Os invernos rigorosos, as geadas causticantes a queimar os brotos ou floradas, as chuvas copiosas a estragar o milharal, a chuva de granizo a esmagar com gelo as plantações, guiaram o pensamento paterno. Falaria com Pietro, um mestre artesão alfaiate, conceituado na cidade. Seu filhoGennaro seria aprendiz de alfaiate!

Três anos seguidos sem o milagre de San Gennaro deixava-o em pânico.

To be continued