quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O Corvo - Poe 1/4 - De escafandros e de borboletas...

Gente amiga! A saudade bateu e vim ver o blog. Aqui, sei, há quem aprecie uma leitura lúdica e ao mesmo tempo instrutiva. Daí Esopo ser mote e patrono, com suas belas fábulas. Ontem revisitei um filme que indico e recomendo: O Escafandro e a Borboleta. Vale a pena redimensionar nossas existências a partir da lição passada.

Há um poema de Edgar Allan Poe - The Raven ou O Corvo -, tido como um clássico e de leitura quase obrigatória. Poucos entretanto, leram-no. Farei a partir de hoje, algumas edições no blog, com a íntegralidade desta obra. Fernando Pessoa o traduziu, mantendo a rima em meio aos versos, sua excelente originalidade. Bom divertimento...


Um corvo

O CORVO


Edgar Allan Poe

Tradução de Fernando Pessoa (1924)

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."

'Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste, vagos curiosos tomos de ciências ancestrais ...' (Ilustração de Gustave Doré)

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo:
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais."

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, de certo me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo
Tão levemente, batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

'E abri largos, franqueando-os, meus umbrais. Noite, noite e nada mais.' (Ilustração de Gustave Doré)

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse os meus ais,
Isto só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.
Meu coração se distraia pesquisando estes sinais.
É o vento, e nada mais."

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